quinta-feira, 24 de junho de 2010

JURISPRUDÊNCIA COMENTADA

Antes que você comece a ler a decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) que eu escolhi para comentarmos, é preciso entender o que é improbidade administrativa.
Improbidade vem de ímprobo, ou seja, desonesto. São atos contrários à moral e à lei que violam os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade e fidelidade às instituições. Em uma palavra poderíamos dizer que se trata de corrupção.
A Constituição Federal não traz o conceito, mas aponta no parágrafo 4º do artigo 37 as “sanções” que devem ser aplicadas, na forma e gradação previstas em lei, àqueles que pratiquem atos de improbidade.
Para regulamentar esse dispositivo constitucional, foi editada a Lei 8.429/1992, a qual também não define esses atos, mas aponta descrições genéricas, acompanhadas de extensas listas exemplificativas de ações e omissões que se enquadram como tal.
Agora vamos à leitura da decisão?
Improbidade administrativa exige comprovação de má-fé Ato administrativo ilegal só configura ilícito de improbidade administrativa quando revela indícios de má-fé ou dolo do agente. O entendimento é da Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que, de forma unânime, rejeitou um pedido do Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) contra a ex-prefeita de São João do Oriente, pequeno município localizado no Leste do estado. Maria de Lourdes Fernandes de Oliveira foi acusada de causar prejuízo ao município por meio de conduta omissiva. Segundo o MPMG, ela não prestou contas das três últimas parcelas de um convênio – firmado com o governo estadual – para a construção de uma escola. Assinado pelo prefeito anterior, o convênio envolveu o repasse de pouco mais de R$ 320 mil, em nove parcelas. A irregularidade fez com que o município fosse inscrito no Sistema Integrado de Administração Financeira do Governo Federal (Siafi). Em razão disso, o município passou a sofrer restrição para firmar novos convênios e receber recursos. Tal fato motivou a ação civil pública do MPMG, apesar de o objeto do convênio – a construção da Escola Estadual Vitalino de Oliveira Ruela – ter sido devidamente alcançado na gestão da ex-prefeita, ocorrida no período de 1997 a 2000. A controvérsia chegou ao STJ após a ação por improbidade administrativa ter sido julgada improcedente em primeira e segunda instâncias. Em ambos os casos, fundamentou-se a decisão em três pontos: os atos imputados à ré constituem apenas irregularidades formais; não houve lesão ao erário, pois o objeto do convênio foi devidamente concluído; e não se demonstrou que a ex-prefeita agiu com dolo ou culpa de modo a causar prejuízos ao município. Ao analisar a questão, a relatora, ministra Eliana Calmon, atentou para que, de fato, a dicção literal do artigo 11, inciso VI, da Lei n. 8.429/1992 (a chamada “Lei da Improbidade Administrativa”) dispõe que constitui ato de improbidade deixar de prestar contas quando o agente público estiver obrigado a fazê-lo. No entanto, a simples ausência dessa prestação não impõe a condenação do agente, se não vier acompanhada da “comprovação de elemento subjetivo, a título de dolo genérico” – ou seja, se não forem demonstrados indícios de desonestidade ou má-fé. Citando a sentença e o acórdão questionados pelo Ministério Público, a magistrada destacou que, sem um mínimo de má-fé, não se pode cogitar da aplicação de penalidades tão severas como a suspensão dos direitos políticos e a perda da função pública. “Pensar de forma diversa seria penalizar os agentes públicos por qualquer insucesso da máquina administrativa, mesmo nos casos em que seus dirigentes atuem rigorosamente sob os ditames legais, caracterizando responsabilidade objetiva dos administradores, o que é rejeitado pela jurisprudência pacífica desta Corte”, afirmou Eliana Calmon. De acordo com a ministra, é pacífica no STJ a possibilidade de enquadramento de ilícito previsto no artigo 11 da Lei n. 8.429/1992 mesmo se não há dano ou lesão patrimonial ao erário. Contudo, é imprescindível a demonstração do elemento subjetivo do agente, pelo menos a título de dolo genérico, para fins de enquadramento da conduta às previsões do referido dispositivo legal. “In casu, entendo ser inviável a condenação da ex-prefeita, por carecer de comprovação quanto a esse último requisito (elemento subjetivo), com base na análise realizada pela instância ordinária, à luz do acervo fático-probatório dos autos”, concluiu a ministra.

Como você viu nesse caso analisado pelo STJ, a ex-prefeita de um município foi acusada de ato de improbidade por ter deixado de prestar contas de parcelas de convênio firmado com o governo estadual para a construção de escola.
De acordo com a Lei 8.429/1992, os atos de improbidade podem ser praticados precipuamente pelos agentes públicos (sobre o tema, remeto o leitor ao artigo http://odireitoevoc.blogspot.com/2010/05/be-ba-juridico.html ), como a ex-prefeita, mas também por aquele que, mesmo não sendo agente público, induza ou concorra para a prática do ato, ou dele se beneficie sob qualquer forma direta ou indireta (art. 3º).
Na Seção III do Capítulo II da Lei 8.429/1992, que trata dos atos de improbidade administrativa que atentam contra os princípios da Administração Pública, está prevista no inciso VI a conduta omissiva da ex-prefeita: deixar de prestar contas quando esteja obrigado a fazê-lo.
Entende o STJ que é possível responder por improbidade administrativa quando alguém deixar de prestar contas quando era obrigado a fazê-lo, mesmo que não haja dano ou lesão patrimonial ao erário. Entretanto, é imprescindível que haja má fé, ou seja, vontade deliberada de agir como tal.
Como dito anteriormente, a Lei de Improbidade Administrativa estabelece, independentemente de sanções previstas em outras leis, consequências administrativas (perda da função pública, proibição de receber do Poder Público benefícios fiscais ou creditícios); civis (ressarcimento ao erário, perda dos bens e valores acrescidos ilitcitamente ao patrimônio, multa civil) e políticas (suspensão dos direitos políticos -sobre este tema, veja: http://odireitoevoc.blogspot.com/2010/03/2010-ano-eleitoral.html ).
É importante mencionar que muitas das condutas descritas como atos de improbidade administrativa também são consideras crimes. Nessas hipóteses, além das consequências citadas, o agente também responderá criminalmente.
Dessa forma, embora seja possível o enquadramento de ilícito no artigo 11 da Lei de Improbidade mesmo sem dano ou lesão patrimonial ao erário, por considerar necessária e não ter sido possível a comprovação do elemento subjetivo (má fé) pela análise dos autos, o STJ decidiu por não condenar a ex-prefeita, em razão de ela ter deixado de prestar contas quando deveria fazê-lo.
Darlyane Mourão Chaves

terça-feira, 8 de junho de 2010

CONCEITO TRIPARTIDE DE CRIME

Hoje falaremos sobre o conceito jurídico, dogmático ou analítico de crime. Segundo este conceito, crime é fato típico, antijurídico e culpável.
O fato típico é composto pela conduta, pelo nexo causal, pelo resultado e pela tipicidade.
A conduta é toda ação ou omissão, dolosa ou culposa que visa a determinado fim. O resultado é a lesão a um bem juridicamente protegido. E o nexo, o liame entre a conduta praticada e o resultado obtido.
A tipicidade, por sua vez, é a subsunção perfeita da conduta praticada pelo agente ao modelo abstrato previsto na lei penal e essa conduta deve também ser antinormativa ou contrária à lei penal, pois caso contrário poderia afastar a tipicidade e, por conseguinte o fato típico, caso em que não existiria crime. Por exemplo, quando um sujeito mata alguém em legítima defesa, sua conduta se subsume perfeitamente ao tipo penal previsto no artigo 121 do Código Penal como crime de homicídio, mas essa conduta não é antinormativa, pois o próprio Código Penal autoriza no artigo 25, que esta pessoa o faça. Não constitui crime, assim, essa conduta, por ser um fato autorizado por lei.
Já a antijuridicidade ocorre quando o agente não atua em estado de necessidade, legítima defesa, estrito cumprimento do dever legal, exercício regular de um direito ou outra causa supralegal que exclua a ilicitude do fato.
E a culpabilidade é o juízo de reprovação pessoal que se realiza sobre a conduta típica e ilícita praticada pelo agente.
Ela é composta pela imputabilidade, pelo potencial conhecimento da ilicitude e pela exigibilidade de conduta diversa.
A imputabilidade é a possibilidade de se atribuir, imputar o fato típico e ilícito ao agente. Afasta a imputabilidade as causas legais de inimputabilidade, quais sejam: a inimputabilidade por doença mental (artigo 26 do Código Penal), a inimputabilidade por imaturidade natural ou dos menores de 18 anos (artigo 27 do Código Penal) e a embriaguez involuntária e completa (§ 1º do artigo 28 do Código Penal).
Também é elemento da culpabilidade, o potencial conhecimento da ilicitude, que representa a capacidade de o agente de uma conduta proibida, na situação concreta, apreender a ilicitude de seu comportamento. É o conhecimento da anti-socialidade, da imoralidade ou da lesividade da conduta.
O erro de proibição afasta esse elemento, quando inevitável. Mas isso será objeto de outro artigo.
E, por fim, a exigibilidade de conduta diversa é a possibilidade que o agente tinha de no momento da ação ou omissão agir de acordo com o direito.
Em resumo, o crime é fato típico (composto pela conduta, resultado, nexo de causalidade e tipicidade – esta inclui o dolo e a culpa), antijurídico (não abrangido pelas excludentes de ilicitude legais e supralegais) e culpável (imputabilidade, potencial conhecimento da ilicitude e exigibilidade de conduta diversa).
Cabe ressaltar, que a doutrina minoritária como Damásio, Mirabete, Delmanto e Dotti adotam a teoria bipartide do crime por entenderem que a culpabilidade é pressuposto para aplicação da pena. Mas é uma corrente minoritária e a teoria adotada foi a tripartide, que acabou de ser conceituada nesse artigo.
É isso.
Camila Silva Lugão.